DECLARAÇÃO DE DIREITOS DE LIBERDADE ECONÔMICA (LEI 13.874/19) E O TERCEIRO SETOR: APLICAÇÃO DA METODOLOGIA DE ANÁLISE DE IMPACTO REGULATÓRIO (AIR) E AVALIAÇÃO DE RESULTADO REGULATÓRIO (ARR) NA NORMATIZAÇÃO DA ATUAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL

Renato Dolabella Melo[1]

Resumo

A legislação de liberdade econômica prevê instrumentos de análise e medição dos impactos provocados pela atividade regulatória/normativa por parte do Poder Público. Tais instrumentos podem ser utilizados no caso de regras aplicáveis ao funcionamento das organizações da sociedade civil (Terceiro Setor), com ganhos de economicidade e eficiência, favorecendo toda a população que é beneficiada pelas atividades sociais executadas pelas OSCs.

Palavras-chave

Liberdade econômica; AIR; ARR; Terceiro Setor; OSC

Sumário

1. Liberdade Econômica e a Lei 13.874/19. 2. Terceiro Setor e Atividade Econômica. 3. Erros de Normatização/Regulação Estatal e Benefícios do Uso da AIR e da ARR em Relação à Atuação do Terceiro Setor. 4. Conclusões.

1. Liberdade Econômica e a Lei 13.874/19

A Lei 13.874/19, conhecida como Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador, temas previstos nos artigos 1º, 170 e 174 da Constituição da República de 1988. Nesse sentido, deve-se notar que o contexto de aplicação dessa lei envolve especialmente o direito de livre iniciativa e a (im)possibilidade de atuação estatal limitando essa liberdade. Assim, para a compreensão do tema, é importante analisar no que consistem esses pontos.

A livre iniciativa está prevista nos artigos 1º, IV e 170 da Constituição da República[2]. Basicamente, significa um direito que os particulares têm para produzir bens ou serviços (atividade econômica). Isso envolve inclusive a liberdade de escolha sobre o objeto e local dessa atuação, entre outros fatores. O Estado somente poderá impor condições para o exercício dessas atividades se houver alguma justificativa para tanto, considerando o interesse público e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Nesse sentido, a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica procura explicitar que as limitações ao exercício das atividades econômicas devem ser tratadas como exceção, e não como regra. Apesar de não ter criado o direito de livre iniciativa, a Lei 13.874/18 procura dar caráter concreto ao dispositivo, especialmente ao estabelecer expressamente certas obrigações e vedações à atuação do Estado nesse âmbito. Dessa forma, o caráter abstrato do princípio constitucional fica reduzido, ficando claro que não há espaço para livre arbítrio estatal nessa seara. Com isso, a lógica é favorecer a efetividade da liberdade de iniciativa em várias situações, uma vez que eventuais debates saem de um contexto preponderantemente teórico e passam a ser discutidos diante de regras explícitas trazidas pela Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.

Essa questão se torna ainda mais relevante quando o tema é analisado no âmbito do poder normativo do Estado, relacionado à oferta de bens e serviços pelos particulares. O artigo 174 da CR/88 prevê esse tipo de atuação estatal, mas esta deve ser pautada pelos princípios que regem a Administração Pública, especialmente economicidade[3] e eficiência[4]. Nesse sentido, é importante notar que o artigo 4º da Lei 13.874/18 determina que o Poder Público exerça sua prerrogativa de regulamentação sem fazer exigências que não sejam necessárias para alcançar o fim desejado e nem impondo condições que aumentem custos sem demonstração dos benefícios que se procura obter com essa medida. Na mesma linha, a edição e de alteração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços devem ser precedidas de análise de impacto regulatório (AIR)[5], de modo a avaliar previamente seus efeitos. Essa medida é fundamental para que a normatização seja realizada de forma eficiente[6]. Importante notar que, embora a aplicação da AIR no Brasil tenha sido originalmente concebida no âmbito de atuação das agências reguladoras (nos termos da Lei 13.848/19), trata-se de uma metodologia que pode (e deve) ser utilizada em todas as situações que haja atuação, por parte do Estato, na definição de regras que afetem os particulares[7].

Sobre a incidência dessas disposições da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, é necessário destacar que a legislação não limita sua aplicação apenas aos casos nos quais a atividade econômica busque uma finalidade lucrativa. O artigo 3º da Lei 13.874/18 prevê expressamente que todas as pessoas naturais ou jurídicas são destinatárias dessa legislação, o que inclui as condições que devem ser observadas pelo Poder Público para eventual intervenção na atividade desses particulares. Nesse sentido, é importante então avaliar como a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica impacta a atuação das entidades privadas sem fins lucrativos, também conhecidas como Terceiro Setor.

2. Terceiro Setor e Atividade Econômica.

O Terceiro Setor é composto por pessoas jurídicas de Direito privado, sem fins lucrativos, que executam atividades de interesse social. Nesse contexto, o Poder Público é chamado de Primeiro Setor, enquanto os particulares que atuam visando o lucro compõem o Segundo Setor. Historicamente chamadas de organizações não-governamentais (ONGs), atualmente as entidades do Terceiro Setor são denominadas organizações da sociedade civil (OSCs), especialmente após a edição da Lei 13.019/14, que popularizou esse termo.

Quanto à sua natureza jurídica, as OSCs são usualmente associações ou fundações privadas. As primeiras são pessoas jurídicas constituídas pela reunião de pessoas para exercício de algum objeto lícito. Já as segundas são criadas por meio de um patrimônio que é destinado para execução de alguma das finalidades previstas no artigo 62 do Código Civil[8]. Para contextualização da atuação dessas entidades e a aplicação da Lei 13.874/18, é fundamental esclarecer que o fato de essas pessoas jurídicas não terem finalidade lucrativa não significa que não exerçam atividades econômicas.

Produção econômica significa ofertar bens ou serviços. Já a finalidade lucrativa não tem relação com a atuação em si da pessoa, mas sim com a destinação que é dada ao resultado dessa atividade. Se os resultados financeiros oriundos da atuação da pessoa jurídica forem partilhados entre sócios, então considera-se que ela tem fins lucrativos. Se a destinação desses recursos, ao contrário, for o reinvestimento na manutenção e desenvolvimento dos seus objetivos estatutários, então considera-se que não há finalidade de lucro. Esse conceito está previsto no art. 12, §3° da Lei 9.532/97 e deixa claro que o que configura o fim lucrativo não é a obtenção de receita/superávit, mas sim que é feito com esses valores.

Nessa linha, é possível o exercício de atividade econômica (geração de bens e serviços) sem finalidade lucrativa (sem partilha dos resultados financeiros entre sócios). Esse entendimento foi inclusive objeto do Enunciado Administrativo nº 534 do Conselho da Justiça Federal /STJ: “as associações podem desenvolver atividade econômica, desde que não haja finalidade lucrativa”[9]. Logo, toda vez que a legislação eventualmente utiliza o termo “sem fins econômicos” para designar a atuação de uma OSC, há uma impropriedade conceitual.

Deve-se notar, inclusive, que a percepção correta dessas diferenças implica em consequências práticas bastante relevantes. Exemplo disso é a mudança da jurisprudência admitindo recuperação judicial para entidades sem fins lucrativos[10]. No caso, a linha de raciocínio se baseou justamente no exercício de atividades econômicas pelas OSCs. Como o espírito da recuperação judicial é buscar meios de preservação da pessoa jurídica, considerando especialmente seu impacto socioeconômico (inclusive no que diz respeito a geração de empregos), o Judiciário passou a considerar que o fato de uma instituição atuar sem visar lucros não seria um impeditivo para uso do mecanismo. O exercício de atividade econômica, ainda que sem finalidade lucrativa, justificaria a possibilidade de aplicação da recuperação judicial, até então um instrumento jurídico exclusivo de pessoas com atuação empresarial buscando lucro.

Nesse sentido, é importante destacar o impacto socioeconômico da atuação do Terceiro Setor, presente em áreas diversas, como assistência social, saúde, cultura, educação, meio ambiente, esporte e pesquisa, entre outras. Pesquisa realizada pelo Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas (FONIF) apurou que, a cada R$1,00 disponibilizado para essas instituições, é entregue em média para a população o equivalente a R$7,39 em serviços de relevância social prestados pelo Terceiro Setor[11]. Logo, as OSCs disponibilizam para a sociedade um valor muito superior ao montante nominal dos recursos que gerenciam. Esse dado é relevante porque eventual normatização equivocada nesse âmbito, por parte do Poder Público, afeta negativamente esse resultado. Logo, é importante a aplicação das regras da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica nas searas atendidas pelo Terceiro Setor, especialmente para dar mais racionalidade e eficiência à atuação do Estado. Isso é particularmente sensível quando se percebe que mesmo o Poder Público é passível de falhas no exercício de sua função normativa e regulatória.

3. Erros de Normatização/Regulação Estatal e Benefícios do Uso da AIR e da ARR em Relação à Atuação do Terceiro Setor.

Em sentido amplo, a expressão “regulação” pode ser entendida como a ação de organizar determinada atividade, visando seu funcionamento adequado. Há algumas situações distintas que podem ser observadas quanto à ação regulatória, considerando especialmente a elaboração de normas que afetem a ação dos agentes. Os cenários hipotéticos variam desde a desregulação até uma intervenção por parte do Poder Público, especialmente por meio da criação de regras que vinculam os particulares[12]. Quando há atuação estatal nesse último sentido, é importante perceber que é necessária uma análise técnica já na definição dos temas que devem (ou não) ser objeto de regulação/normatização. Isso porque não realizar a regulação/normatização onde ela deve ser feita ou atuar sobre atividades nos quais esse tipo de intervenção não seja necessária são ambas situações problemáticas[13].

Independente da qualidade das normas em questão, é importante lembrar que a simples implementação de um sistema regulatório/normativo já implica em custos. Além do trabalho de elaboração das regras, todos os destinatários das normas incidem em gastos para conhecer e se adaptar à legislação, sem esquecer das despesas de fiscalização e acompanhamento que serão suportadas pela autoridade regulatória/normativa para verificar o cumprimento dos dispositivos legais. É também razoavelmente comum que surjam dúvidas relacionadas à aplicação das normas, sobretudo porque dificilmente o responsável pela criação de uma regra jurídica será capaz de prever todos os desdobramentos possíveis sobre o assunto, especialmente em um contexto diversificado como é o Terceiro Setor[14]. E, ainda que conseguisse, o ambiente no qual essas atividades sociais são executadas se encontra em constante mutação. Assim, há ainda a possibilidade de ineficiência de determinada norma pela ocorrência de alterações na realidade concreta sobre a qual ela incide. Tudo isso também pode se traduzir em custos de variadas naturezas.

Além desses gastos inerentes a qualquer sistema regulatório/normativo, a questão pode se agravar caso a implementação das normas não seja devidamente precedida de uma análise técnica adequada. Essa medida é imprescindível, porque em qualquer tipo de atividade regulatória em sentido amplo há possibilidade de falhas na sua concepção e execução[15]. E isso não é diferente mesmo quando a elaboração das regras é feita pelo próprio Estado[16]. Esse risco de problemas aumenta potencialmente se não houver o uso de ferramentas técnicas adequadas para compreensão da demanda e definição dos mecanismos a serem utilizados para alcance dos objetivos adequados[17]. Isso envolve inclusive a intensidade da intervenção estatal nas atividades, porque regulação em excesso é tão ruim quanto sua falta onde seja de fato necessária[18].

Além da AIR, a legislação de liberdade econômica também indica um segundo instrumento gerencial, chamado de avaliação de resultado regulatório (ARR). Encontra-se previsto no Decreto 10.411/20 e consiste na verificação dos efeitos decorrentes da edição de ato normativo, considerados o alcance dos objetivos originalmente pretendidos e os demais impactos observados sobre o setor regulado e a sociedade, em decorrência de sua implementação. Importante notar que essa medida é tão relevante quanto o próprio AIR, uma vez que não será possível gerir efetivamente os mecanismos jurídicos se não forem medidos os resultados concretos[19].

No contexto das OSCs, o uso da AIR e da ARR pode se mostrar bastante interessante, porque propõem uma metodologia técnica para a análise que vai preceder a elaboração da norma (ou a conclusão de que o melhor seria não criar norma alguma no caso e dar mais liberdade à atuação dos particulares), bem como, posteriormente, medir os impactos daquela regulação. Isso é bastante compatível com o funcionamento das entidades do Terceiro Setor, especialmente porque, há algum tempo, tem-se notado que é necessário definir as ações das organizações da sociedade civil a partir de uma visão gerencial, baseada na eficiência. Tal perspectiva pode ser percebida inclusive na legislação que rege vários tipos de parceria entre as OSCs e o Poder Público. Desde o surgimento das primeiras Leis de OS (organizações sociais) e OSCIPs (organizações da sociedade civil de interesse público), na década de 1990, há uma tentativa de mudança de foco, passando de um controle burocrático das relações entre Primeiro e Terceiro Setores[20] para um monitoramento lastreado na busca de resultados. Essa visão se manifestou também na Lei 13.204/15, que reformou o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil – MROSC (Lei 13.019/14) e reforçou a eficiência como um dos princípios balizadores das parcerias entre as OSCs e o Poder Público[21]. Além disso, essa legislação determina que tais ações, destinadas a implementar medidas de interesse social, devem conter obrigatoriamente um plano de trabalho[22]. Este também se trata de um importante instrumento de gestão, sobretudo porque deve prever as metas e indicadores aplicáveis a cada parceria, elementos essenciais para avaliação dos resultados daquela iniciativa.

Para aplicação efetiva da AIR, deve ser escolhida pelo administrador público a metodologia que se mostre mais adequada para cada caso. O Decreto 10.411/20 apresenta algumas alternativas nesse sentido, a partir de métodos que são usualmente adotados para esse fim pelos países integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE. O “Guia Orientativo Para Elaboração de Análise de Impacto Regulatório (AIR)”, elaborado pela Presidência da República (BRASIL, 2018) explica as linhas gerais de cada opção, devendo ser feita a ressalva que poderá ser adotado ainda algum método que não esteja indicado no Decreto 10.411/20, se as condições concretas do caso indicarem que essa seria a melhor opção.

Em relação às alternativas sugeridas no “Guia Orientativo Para Elaboração de Análise de Impacto Regulatório (AIR)” e baseadas na experiência dos membros da OCDE, a primeira opção é a análise multicritério (Multi-Criteria Analysis). Neste caso, são definidos os critérios que seriam relevantes no caso, sendo atribuído um peso para cada um deles. Assim, as opções disponíveis de atuação são ponderadas a partir dessa tabulação, permitindo a escolha do caminho mais adequado considerando as referências identificadas como importantes e a pontuação que cada uma receber. Esse método permite trabalhar conjuntamente vários aspectos distintos, como questões sociais, técnicas, econômicas, ambientais e distributivas. Porém, o resultado vai depender das variáveis selecionadas e do peso conferido a cada uma, de modo que eventual subjetividade na escolha desses elementos afetará o resultado.

Já a análise de custo-benefício (Cost-Benefit Analysis)trabalha com os valores monetários dos gastos e ganhos a serem alcançados por meio da intervenção, sendo válidas as opções nas quais os primeiros forem inferiores aos segundos. Em que pese ser um método bastante objetivo, ele tem limitações para lidar com questões que não sejam mensuráveis em dinheiro.

A análise de custo-efetividade (Cost-Effectiveness Analysis), por sua vez, compara custos monetários com benefícios, o que não se confunde com ganhos econômicos. O objetivo pode ser a cura de doenças, aumento de expectativa de vida, diminuição de casos de violência, fortalecimento de vínculos familiares, entre diversas outras possibilidades. Tem mais flexibilidade do que o método do custo-benefício no que diz respeito à análise das entregas esperadas, mas pode apresentar limitações quanto à quantificação objetiva dos resultados, bem como avaliar se o custo para seu alcance está adequado.

A análise de custo (Cost Assessment) foca na identificação da opção de menor custo para alcance de um certo benefício. Esse método permite analisar a despesa total, considerando inclusive todos os envolvidos (governo, população, empresariado e OSCs), mas não é capaz de analisar adequadamente a escolha entre opções de igual custo e benefícios de natureza distinta.

A análise de risco (Risk Analysis) se aplica quando o objetivo é reduzir determinado risco da maneira mais eficiente. Os riscos podem assumir variadas formas, como acidentes em determinada atividade, evasão escolar ou qualquer outro tipo de problema. Porém, em que pese o método ser capaz de apresentar alternativas de solução, ele não avalia os custos para tanto e nem os possíveis reflexos negativos de cada medida em outras áreas.

Por fim, a análise risco-risco (Risk-Risk Analysis) trata de forma cruzada os riscos diretos e indiretos afetados por cada medida escolhida. No Terceiro Setor, um dilema que foi enfrentado nesse sentido envolveu a adoção de medidas de isolamento social para prevenção à pandemia de covid, mas que afetaram atendimentos na área de assistência social pelas OSCs. Se a medida para redução dos riscos do covid implicasse na paralisação dessas atividades, um outro risco que poderia ser impactado negativamente é o aumento da violência doméstica nas famílias que tiverem seu atendimento interrompido, por exemplo[23]. Assim, a análise risco-risco pode ser utilizada em casos de riscos cruzados, inclusive para considerar se o benefício alcançado em relação ao primeiro problema não seria eventualmente anulado pelo incremento do segundo risco. Porém, há uma possível dificuldade nessa mensuração se os problemas envolvidos forem de naturezas muito distintas.

Assim, na escolha da metodologia, é fundamental notar que cada uma delas oferece possibilidades, mas também estão todas sujeitas a limitações. Logo, o uso da AIR configura um trabalho dinâmico de gestão e planejamento, sempre considerando os detalhes de cada situação. De toda forma, mesmo diante de eventuais limites, o uso dessas técnicas é importante para uma atuação mais eficiente, inclusive em relação a questões envolvendo entidades privadas sem fins lucrativos, que muitas vezes se relacionam com o Poder Público em ações de interesse social.

4. Conclusões

O objetivo do presente texto foi demonstrar que a legislação de liberdade econômica apresenta instrumentos que podem ser utilizados pelo Poder Público nos casos em que elabora normais aplicáveis ao Terceiro Setor. O uso desses mecanismos gerenciais e a percepção que qualquer trabalho de regulação/normatização implica em custos e impactos nos resultados (nem sempre positivos), é fundamental para a sequência da consolidação de uma visão focada na eficiência em relação às regras incidentes sobre o trabalho das OSCs[24].

Historicamente, há diversos casos registrados de problemas relacionados a normas criadas para serem aplicadas sobre o Terceiro Setor e que se mostraram ineficientes ou até mesmo prejudiciais ao interesse público. E é importante notar que nem sempre isso é responsabilidade exclusiva do Poder Executivo, a quem cabe legalmente um poder de regulação. Várias das regras que podem ser identificadas como problemáticas tiveram iniciativa ou participação do Poder Legislativo, sendo até mesmo consolidadas em leis em diversos casos.

Um exemplo nesse sentido é a exigência, prevista na legislação de OS e contratos de gestão de Minas Gerais (Lei estadual 23.081/18), de que “para a aquisição de bens, serviços e obras, a OS observará os valores máximos registrados nas Atas de Registro de Preço firmadas pelo Estado ou pelo ente contratante”[25]. O Decreto estadual 47.553/18, ao regulamentar essa regra, determinou que o órgão estatal parceiro (OEP) deve “encaminhar, mensalmente, à OS tabela contendo os valores máximos de bens permanentes, serviços e obras registrados nas Atas de Registro de Preço que estejam em acompanhamento e cujo OEP seja participante”.  Caso o objeto da demanda, devidamente especificado, não esteja registrado em nenhuma dessas atas, a legislação determina que a OS/MG solicite ao OEP, para que se “verifique se existe item com mesmas especificações técnicas em atas registradas por outros órgãos e entidades de administração pública estadual”. Somente após essa verificação é que a OS estará liberada para dar sequência na demanda de contratação utilizando os meios usualmente previstos para esse tipo de contratação em parcerias entre o Primeiro e Terceiro Setor: uso de um Regulamento de Compras e Contratações (previamente aprovado pelo Estado), com procedimentos como coleta de orçamentos e mecanismos similares, que respeitem os princípios da Administração Pública cabíveis, como publicidade, moralidade e impessoalidade[26].

O problema aqui é que a experiência mostra que, na grande maioria dos casos, nunca se encontra registro da especificação necessária do bem ou serviço nas atas do Estado. Assim, a OS sempre acaba executando os procedimentos normais de coleta de preços junto a fornecedores, publicação de editais e instrumentos similares, mas apenas depois de ser realizada não apenas uma, mas duas pesquisas sobre as atas de registro de preços em cada caso (uma primeira, no âmbito do próprio órgão estatal parceiro e, caso essa verificação dê resultado vazio, uma segunda pesquisa agora em todas as atas de registro de preço feitas pela Administração Pública Estadual). O procedimento é antieconômico, porque demanda trabalho tanto de servidores públicos (que são consultados para responder) quanto de funcionários da OS (que são legalmente obrigados a provocar formalmente os servidores) para uma situação que, via de regra, sempre redunda na conclusão que não há licitação/registro de preço anterior que atenda à especificação do objeto[27]. Na verdade, tal situação seria até previsível, caso o legislador tivesse considerado a enorme gama de especificidades que estão presentes na execução de parcerias entre o Poder Público e o Terceiro Setor. Mas a falta de cultura do uso de instrumentos técnicos de gestão para elaboração de normas (seja pelo Legislativo, seja pelo Executivo) propiciam o surgimento desse tipo de situação problemática.

Outro exemplos que podem ser invocados na mesma linha são a regulamentação da Lei Aldir Blanc (que deveria disponibilizar auxílios emergenciais para entidades e profissionais da área cultural, em função do coronavírus; a complexidade e lentidão da regulamentação federal sobre o mecanismo geraram um atraso de cerca de cinco meses para a liberação de recursos que deveriam ser emergenciais, podendo causar até mesmo a perda desses valores)[28] e a Lei 14.027/20, que obriga as OSCs a fazerem um procedimento de autorização prévia, junto ao Governo Federal, para realização de sorteios (cujo problema maior está no fato de que qualquer sorteio, independente do valor, em tese deve ser precedido desse procedimento; considerando que grande parte das organizações utiliza rifas e outros mecanismos de menor porte para captação de recursos, a norma é claramente antieconômica e ineficiente nesse âmbito)[29], para ficarmos apenas em mais dois casos, relacionados ao Terceiro Setor, cujos problemas de eficiência e economicidade poderiam ser evitados se a elaboração das normas tivesse sido precedida de uma avaliação técnica consistente.

A conclusão que se chega é que é extremamente necessário que essa visão de análise e medição dos impactos gerados pelo trabalho estatal de normatização (a princípio concebida com foco em regulação de mercados e exercício de atividades econômicas em geral) seja estendida às questões referentes ao Terceiro Setor, inclusive nos casos de parcerias com o Poder Público. O uso dessas técnicas pode colaborar imensamente na execução de ações de interesse social, com efeitos positivos nos campos da economicidade e eficiência[30].

Renato Dolabella Melo

Permitida a livre reprodução deste texto, desde que concedidos os créditos ao autor.

Referências

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POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law. 7ª ed. Boston: Little, Brown and Company, 2007.


[1] Advogado. Doutor e Mestre em Propriedade Intelectual e Inovação pelo INPI. Mestre em Direito Econômico pela UFMG. Pós-graduado em Direito de Empresa pelo CAD/Universidade Gama Filho – RJ. Palestrante e professor de Propriedade Intelectual, Direito Econômico e da Concorrência, Direito do Consumidor, Direito da Cultura e do Entretenimento e Terceiro Setor em cursos de pós-graduação, graduação, capacitação e extensão da Fundação Dom Cabral – FDC, do IBMEC, da PUC, da Escola Superior de Advocacia da OAB, da Music Rio Academy, da Faculdade Cedin e da Faculdade Arnaldo. Contatos: www.dolabella.com.br e [email protected].

[2] “A liberdade de inciativa ou de indústria representa um desdobramento do princípio da liberdade contido na Constituição da República de 1988 e protegido como uma garantia fundamental do cidadão. O próprio artigo 1º do texto constitucional a coloca nessa condição principiológica ao afirmar que a liberdade de iniciativa constitui-se fundamento do Estado Democrático de Direito. Revestidas dessas condições, as liberdades, de modo genérico, constituem no plano jurídico-objetivo normas de competência negativa para o poder público, no sentido de impedir a prática de atos que contrariem tais fundamentos sem que exista motivação adequada para garantia da ordem social e econômica”. (FERNANDES, SCHMIDT e MAYER, 2014, p. 5)

[3] “O princípio da economicidade é o critério que condiciona as escolhas que o mercado ou o Estado, ao regular a atividade econômica, devem fazer constantemente, de tal sorte que o resultado final seja sempre mais vantajoso que os custos sociais envolvidos.” (LEOPOLDINO DA FONSECA, 2010, p. 25)

[4] O princípio da eficiência indica que as escolhas devem ser tomadas de modo a maximizar o resultado que se busca alcançar. Trata-se de conceito muito explorado pela Análise Econômica do Direito, vertente acadêmica desenvolvida na Escola de Chicago, onde se destacaram, entre outros, os professores Ronald Coase, Richard Posner e Guido Calabresi. Para um estudo mais aprofundado da questão, ver: POSNER, 2007.

[5] “[A] Análise de Impacto Regulatório (AIR) pode ser definida como um processo sistemático de análise baseado em evidências que busca avaliar, a partir da definição de um problema regulatório, os possíveis impactos das alternativas de ação disponíveis para o alcance dos objetivos pretendidos, tendo como finalidade orientar e subsidiar a tomada de decisão. Como ferramenta de melhoria da qualidade regulatória, proporciona maior fundamentação técnica e analítica ao ente regulador no momento da sua tomada de decisão, especialmente quando esta significa a imposição de regras a serem cumpridas”. (BRASIL, 2018, p. 7)

[6] “Nesse diapasão, não podemos olvidar que desde 1996 a maior parte dos integrantes da Organização para Economia, Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) adotaram a Análise de Impacto Regulatório (AIR) como instrumento para melhoraria da eficiência dos regulamentos expedidos por esses países. […] Assim sendo, a AIR é um meio auxiliar à tomada de decisão que mensura os custos, os benefícios, os riscos e os resultados da atividade regulatória, definindo qual política é capaz de ampliar a maximização do bem-estar social, ou no caso específico deste artigo, proteger e incentivar a concorrência e fomentar a inovação, com vistas à melhoria do desenvolvimento econômico”. (CAÇAPIETRA e MIRANDA, 2017, p. 39 e 52).

[7] “Cumpre esclarecer que, embora as Diretrizes tenham sido elaboradas com foco nas Agências Reguladoras, as orientações aqui reunidas podem ser utilizadas por quaisquer órgãos ou entidades da administração pública que editem instrumentos com potencial de alterar direitos ou criar obrigações a terceiros”. (BRASIL, 2018, p. 13)

[8] Código Civil

Art. 62, parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins de: (Redação dada pela Lei nº 13.151, de 2015)

I – assistência social;

II – cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; 

III – educação; 

IV – saúde; 

V – segurança alimentar e nutricional; 

VI – defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; 

VII – pesquisa científica, desenvolvimento de tecnologias alternativas, modernização de sistemas de gestão, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos; 

VIII – promoção da ética, da cidadania, da democracia e dos direitos humanos; 

IX – atividades religiosas; e 

X – (VETADO). 

[9] https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/145

[10] https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,justica-confirma-recuperacao-judicial-da-universidade-candido-mendes,70003424518

[11] https://fonif.org.br/wp-content/uploads/2017/06/PESQUISA_FONIF_2019_compressed.pdf

[12] “[P]odemos enumerar como possibilidades de regulação lato sensu da economia, (a) a regulação estatal, feita pelas regras emitidas por órgãos do próprio Estado, mesmo que participem representantes de organismos intermédios da sociedade; (b) a regulação pública não-estatal, feita por entidades da própria sociedade, mas por delegação ou por incorporação das suas normas ao ordenamento jurídico estatal; (c) a regulação privada [autorregulação], levada a cabo autonomamente por instituições privadas, geralmente associativas, sem qualquer delegação ou chancela estatal; e (d) a desregulação, consistente na ausência de regulação institucional, pública ou privada, ficando os agentes sujeitos apenas ao livre desenvolvimento do mercado” (ARAGÃO, 2002, p. 13).

[13] Conceitualmente, tais hipóteses são entendidas respectivamente como erros tipo 1 e 2.

[14] Já tivemos oportunidade de apresentar esse ponto de vista em outras situações relativas ao Terceiro Setor, como, por exemplo, em discussões sobre a exigência do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS): “Vale destacar que qualquer lógica de certificação é, por conceito, restritiva. O legislador que define previamente os critérios para a concessão de um certificado dificilmente é capaz de prever todas as situações possíveis em um ambiente diversificado como o Terceiro Setor, de modo a contemplá-las adequadamente na norma com os requisitos para certificação. E muito menos imaginar todas as inovações e mudanças que podem ocorrer no futuro em relação às formas de atuação em prol do público necessitado e que não estejam contempladas nas regras que foram concebidas para a situação do momento presente” (MELO, 2020b).

[15] “Cabe ressaltar que a ampliação regulatória, característica de um Estado intervencionista, pode produzir o que se conhece como “falha de governo”, gerando alguns problemas que merecem atenção: a instituição de um “Estado babá” que age restringindo a liberdade dos indivíduos, estabelecendo uma relação paternalista entre o poder público e determinados grupos sociais; a captura da regulação pelos agentes econômicos regulados, em prejuízo dos cidadãos, afetando principalmente os consumidores, que se veem premidos pela formação de monopólios ou pela péssima qualidade dos serviços prestados; e a impossibilidade da execução de atividades econômicas em razão do grande número de restrições por parte do Estado, o que favorece a concentração de mercado, inibindo a concorrência e as atividades inovadoras, tão essenciais para o desenvolvimento econômico na modernidade. Por esse motivo, torna-se útil estabelecer um ponto de equilíbrio, que admita a intervenção pública apenas no sentido de zelar pelas regras de concorrência, não criando normas em excesso, demonstrando claramente os objetivos, as ações, os resultados e os impactos na sociedade, sobre a ótica do custo-benefício da política regulatória” (CAÇAPIETRA e MIRANDA, 2017, p. 42).

[16] “A regulação […] se utilizada de modo arbitrário e desproporcional, pode gerar efeitos nocivos substanciais aos mercados e à sociedade como um todo, tais como: aumento do preço dos produtos ou serviços, queda de investimentos, barreiras à entrada, barreiras à inovação, altos custos de conformidade ao setor regulado, aumento dos riscos e distorções de mercado. Além disso, a regulação também impõe custos de fiscalização e monitoramento ao regulador. Assim, ela só deve ser criada quando sua existência é justificada”. (BRASIL, 2018, p. 21 e 22)

[17] “Reconhecendo os custos e consequências da má regulação, a maior parte dos países desenvolvidos tem dirigido esforços, desde o início da década de 90, à implementação de mecanismos e ferramentas para promover a melhoria da qualidade e do desempenho regulatório. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE tem dedicado atenção ao estudo e registro do tema. No documento Recomendação sobre Melhoria da Qualidade Regulatória (OECD Recommendationon Improving the Quality of Government Regulation), a Organização propõe um roteiro segundo o qual a boa regulação deve: • buscar resolver problemas e alcançar metas claramente definidas e ser eficaz na consecução desses objetivos; • ser fundamentada em evidências e proporcional ao problema identificado; • estar fundamentada em uma base legal sólida; • produzir benefícios que justifiquem os custos; • considerar a distribuição dos seus efeitos entre os diferentes atores e grupos; • minimizar os custos administrativos e eventuais distorções de mercado resultantes de sua implementação; • ser clara e compreensível aos regulados e usuários; • ser consistente com outros regulamentos e políticas; • ser elaborada de modo transparente, com procedimentos adequados para a manifestação efetiva e tempestiva de atores e grupos interessados; e • considerar os incentivos e mecanismos para alcançar os efeitos desejados, incluindo estratégias de implementação que potencializem seus resultados. […] Em muitos casos, as decisões regulatórias são tomadas a partir de informações limitadas e sem considerar de forma adequada quais grupos serão afetados e de que modo. A AIR busca modificar esta prática. A mera identificação de um problema não é justificativa para a intervenção governamental”. (BRASIL, 2018, p. 22)

[18] “A AIR não deve ser entendida como uma mera comparação entre alternativas de intervenção. Antes disso, a AIR deve buscar entender a natureza e a magnitude do problema regulatório, definir quais os objetivos pretendidos pelo regulador e analisar se algum tipo de intervenção é de fato necessária. Somente após esta reflexão inicial, parte-se para a identificação e análise de possíveis alternativas de ação, de modo a permitir que a melhor escolha possível seja feita. Após o exame de todas as informações e considerações relevantes, a AIR pode inclusive indicar que não regular é a melhor alternativa possível. […] A análise dos impactos de cada alternativa deve ter sempre como referência a opção de não ação, ou seja, os impactos devem ser qualificados ou quantificados como um ganho ou custo líquido com relação ao cenário de inação por parte da agência, órgão ou entidade. A opção de não ação representa não somente uma fotografia atual do problema, mas deve ser entendida de forma dinâmica, levando-se em conta projeções futuras da evolução do problema e suas repercussões, inclusive a possibilidade de que ele seja resolvido ou minimizado por outros fatores não relacionados às alternativas sob análise”. (BRASIL, 2018, p. 22 e 53)

[19] “O sucesso da ação implementada deve ser verificado mediante a comparação dos resultados observados com as metas previamente definidas. Para tanto, é necessário que sejam elaborados indicadores capazes de mensurar se estas metas estão sendo atingidas. Existem diferentes categorias de indicadores que podem ser utilizados: indicadores de eficiência, de eficácia, de processo, de impacto, indicadores de atraso, dentre outros. A definição deve ser feita caso a caso, a depender do tipo de ação a ser monitorada, dos objetivos e das metas definidas. Entretanto, sempre que possível, os indicadores devem ser expressos de modo quantitativo (valores, percentuais, médias, taxas, índices, etc). Indicadores qualitativos, quando utilizados, devem ser objetivamente verificáveis”. (BRASIL, 2018, p. 61)

[20] Nesse sentido, diz o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, documento elaborado pelo governo federal na década de 1990: “O modelo burocrático tradicional que a Constituição de 1988 e todo sistema de direito administrativo brasileiro privilegiam, está baseado no formalismo, no excesso de normas e na rigidez de procedimentos […] a excessiva regulamentação é expressão da ênfase nas normas e processo, e ocorre em detrimento dos resultados”. (BRASIL, 1995)

[21] Para uma análise dos instrumentos de parceria entre o Primeiro e Terceiro Setores, vide: MELO e CAMPOS, 2019.

[22] Arts. 22 e 42 da lei 13.019/14.

[23] Sobre a importância da manutenção das parcerias com o Terceiro Setor durante a pandemia do coronavírus, vide MELO, 2020a.

[24] “Diante do que foi exposto, existe a necessidade de institucionalização não apenas da AIR, mas da lógica consequencialista, que trata da eficiência e da eficácia na aplicação dos recursos públicos e de certa forma da interpretação do próprio direito, ainda muito arraigado em argumentos abstratos que não mensuram os impactos das decisões, fato extremamente grave dentro de um cenário de recursos cada vez mais escassos”. (CAÇAPIETRA e MIRANDA, 2017, p. 54)

[25] Art. 65, § 11 da lei estadual MG 23.081/18

[26] Arts. 40 e 41 do decreto estadual MG 47.553/18

[27] Este autor (que em 2020 já contava com 15 anos de advocacia para organizações da sociedade civil) pode testemunhar que nunca verificou sequer uma única demanda desse tipo que conseguiu aproveitar alguma ata de registro de preço junto a licitações do Estado. Em função das especificidades das contratações, todas as consultas desse tipo tiveram resultado negativo e foram resolvidas por meio dos procedimentos tradicionais usualmente previstos na legislação de parcerias: coleta de orçamentos e outros mecanismos similares que respeitem os princípios da Administração Pública cabíveis, como publicidade, moralidade e impessoalidade. Porém, até ser legalmente possível para o OS executar esse procedimento, já houve perda de tempo e dinheiro com o trabalho de funcionários privados e servidores públicos.

[28] Vide MELO, 2020c e MELO, 2020d.

[29] Vide MELO, 2020e.

[30] “A aproximação entre direito e economia é desejável não só porque torna a avaliação mais descomplicada, mas também porque ajuda a compreender a verdadeira influência das normas jurídicas sobre o comportamento dos indivíduos e dos grupos de interesse, auxiliando no momento da tomada de decisão sobre uma política pública ou mesmo na fundamentação de uma decisão judicial”. (CAÇAPIETRA e MIRANDA, 2017, p. 49)