Renato Dolabella1
Durante a epidemia do coronavírus (COVID-19), os idosos merecem atenção especial, por serem um dos grupos de risco para a doença. Nesse contexto, é relevante avaliar como podem ser implementadas ações em prol dessas pessoas, visando a proteção da sua saúde e dos seus demais direitos, inclusive porque parte delas vive em condições de vulnerabilidade social. Para tanto, é importante destacar os Fundos do Idoso como ferramentas que podem gerar resultados efetivos nesse campo. Criados pela Lei 12.213/10, os Fundos são geridos pelos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional do Idoso. Em cada uma dessas instâncias podem ser captados recursos por meio de doações com incentivo fiscal. No caso, as pessoas jurídicas tributadas em regime de lucro real podem contribuir com até 1% do seu imposto de renda. Já as pessoas físicas que façam sua declaração de IR na forma completa podem doar até 6% do tributo devido, observado que percentual engloba também outros tipos de doações incentivadas, cuja soma não pode ultrapassar esse teto2. É importante destacar ainda a inovação trazida pela Lei 13.797/19, que passou a permitir que 3% do imposto de renda devido por essas pessoas físicas possa ser destinado diretamente no momento da entrega da declaração de IR à Receita Federal3. Isso busca incentivar esse tipo de contribuição, uma vez que a regra anterior exigia que a totalidade dos recursos fosse aportado até dezembro de um ano, para ser compensado com imposto a ser pago somente em abril do ano seguinte (prazo de entrega da declaração pelo contribuinte pessoa física).
Normalmente, a execução desses recursos se dá por meio de parcerias entre o Poder Público e o Terceiro Setor, que é constituído por organizações da sociedade civil (OSCs). Tais entidades são privadas, sem finalidade lucrativa e atuam em áreas de interesse social. No que diz respeito às parcerias, a maior parte dessas relações é regida pela Lei 13.019/14 (Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil – MORSC)4, por meio de Termos de Colaboração ou de Fomento. No primeiro caso, o Estado propõe a demanda, enquanto no segundo quem faz isso é a OSC. Nas duas situações há repasse de recursos para execução de atividades pela entidade do Terceiro Setor, definição de metas a serem cumpridas e monitoramento pelo Poder Público, que deve ser focado na eficiência e avaliação de resultados.
Para celebração das parcerias por meio do MROSC, a regra é que haja um edital de chamamento público para seleção das OSCs. Porém, no caso da epidemia de coronavírus, há uma situação excepcional, que demanda respostas urgentes. Nesse sentido, o artigo 30 da Lei 13.019/14 dispensa a necessidade do chamamento em casos de calamidade pública5, que é justamente a situação atual provocada pelo COVID-19. É ainda possível a realização de parcerias diretas com entidades previamente credenciadas pelos órgãos públicos responsáveis pela gestão das políticas de saúde e assistência social6. Vale destacar que essas duas atividades são consideradas essenciais pelo Decreto 10.282/207, que regulamenta as medidas para enfrentamento da emergência decorrente do coronavírus. Logo, são ações inadiáveis que, se não foram atendidas, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população. Importante notar que a grande parte dos atendimentos ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é inclusive realizado por entidades do Terceiro Setor. Em 2018, os hospitais filantrópicos receberam 41,64% de todas as internações no SUS, respondendo ainda por 58,95% de todas as internações de Alta Complexidade8.
Nesse sentido, além de destacar que a situação autoriza a celebração de parcerias de forma mais rápida, é fundamental notar que a atuação do Terceiro Setor gera enorme impacto nas áreas sociais9. Pesquisa realizada pelo Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas (FONIF), ao analisar questões relacionadas à imunidade tributária das entidades, apurou que, a cada R$1,00 disponibilizado para essas instituições, estas entregam para a população o equivalente a R$7,39 em serviços de relevância social, em média. No caso da saúde e da assistência social, que são campos de natural destaque no caso do enfrentamento ao coronavírus por serem atividades consideradas essenciais pelo Decreto 10.282/20, os números são ainda maiores. Pela mesma pesquisa, entidades do Terceiro Setor na área da saúde geram R$8,26 e as de assistência social entregam à sociedade o equivalente a R$12,02 em serviços para cada R$1,00 que gerenciam10. São resultados extremamente expressivos e precisam ser levados em conta na definição das estratégias relacionadas ao coronavírus, pois evidenciam que a destinação dos recursos dos Fundos para ações executadas pelas OSCs em prol do público idoso são de grande impacto nesse âmbito.
Assim, conclui-se que há questões relevantes que precisam ser feitas urgentemente dentro das medidas de proteção aos idosos em relação ao COVID-19. A primeira é a liberação imediata dos recursos dos Fundos de Idoso para execução de parcerias com as entidades do Terceiro Setor, especialmente para ações de saúde e assistência social. Nesse sentido, é fundamental utilizar os mecanismos legais que agilizam essas medidas, como as hipóteses de dispensa de chamamento público previstas no artigo 30 do MROSC.
Em paralelo, é extremamente importante que haja doações para os Fundos, o que pode ser feito inclusive com abatimento no imposto de renda, como já demonstrado. O momento atual coincide com o prazo de entrega de declarações das pessoas físicas à Receita Federal, de modo que os contribuintes podem fazer a destinação de recursos junto com o próprio ato de preenchimento e envio do formulário completo. Porém, é preciso que a União tenha também agilidade para repassar esses valores aos Fundos, dada a urgência do caso.
O esforço de enfrentamento do coronavírus exige a atuação conjunta do Primeiro, Segundo e Terceiro Setores (Estado, Empresariado e Sociedade Civil). Os Fundos de Idosos são ferramentas importantes para canalizar e potencializar a relação entre esses atores, na defesa de parte da população que é um dos grupos de risco em relação à doença. É fundamental então utilizar efetiva e amplamente esses mecanismos, com a velocidade e foco que a situação atual demanda.
Renato Dolabella Melo
1 Advogado. Doutor e Mestre em Propriedade Intelectual e Inovação pelo INPI. Mestre em Direito Econômico pela UFMG. Pós-graduado em Direito de Empresa pelo CAD/Universidade Gama Filho – RJ. Palestrante e professor de Propriedade Intelectual, Direito Econômico e da Concorrência, Direito do Consumidor, Direito da Cultura e do Entretenimento e Terceiro Setor em cursos de pós-graduação, graduação, capacitação e extensão da Fundação Dom Cabral – FDC, do IBMEC, da PUC, da Escola Superior de Advocacia da OAB, de Music Rio Academy, da Faculdade CEDIN e da Faculdade Arnaldo. Contatos: www.dolabella.com.br e [email protected]
2 Projetos para Infância, Idosos, Cultura/Audiovisual e Esporte, conforme artigo 55 da IN 1.131/11 da Receita Federal do Brasil.
3 Mecanismo idêntico já havia sido inserido na legislação para o caso dos Fundos de Infância e Adolescência, nos termos da Lei 12.594/12.
4 Importante destacar que o MROSC é a norma de maior alcance nesse âmbito, mas não é o único instrumento de formalização de parcerias entre o Poder Público (Primeiro Setor) e a Sociedade Civil Organizada (Terceiro Setor). Há também leis referentes aos Contratos de Gestão firmados com Organizações Sociais (OS), Termos de Parceria com Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) e convênios com entidades que atuam no Sistema Único de Saúde (SUS), apenas para ficar em alguns exemplos.
5 Art. 30. A administração pública poderá dispensar a realização do chamamento público:
II – nos casos de guerra, calamidade pública, grave perturbação da ordem pública ou ameaça à paz social; (Redação dada pela Lei nº 13.204, de 2015)
6 Art. 30. A administração pública poderá dispensar a realização do chamamento público:
VI – no caso de atividades voltadas ou vinculadas a serviços de educação, saúde e assistência social, desde que executadas por organizações da sociedade civil previamente credenciadas pelo órgão gestor da respectiva política. (Incluído pela Lei nº 13.204, de 2015)
7 Artigo 3º do Decreto 10.282/20.
8 Dados do Ministério da Saúde, disponíveis em http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento/download/7837cbd4-134f-4485-9006-99e451d7ff92
9 Tratei desse impacto de forma mais detalhada no artigo “CORONAVÍRUS E O TERCEIRO SETOR: NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DAS PARCERIAS E PROJETOS”,que está disponível em https://www.linkedin.com/pulse/coronav%C3%ADrus-e-o-terceiro-setor-necessidade-de-das-renato-dolabella/
10 https://fonif.org.br/wp-content/uploads/2017/06/PESQUISA_FONIF_2019_compressed.pdf
Artigo publicado em 31/03/2020
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