Renato Dolabella[1]
Lívia Costa[2]
No Brasil, a proteção aos programas de computador (softwares) encontra-se regida no campo dos Direitos Autorais[3]. Com isso, aplica-se ao assunto a Lei 9.609/98 (que dispõe especificamente sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de computador) e, naquilo que a primeira norma for omissa, também incide a Lei 9.610/98 (legislação geral de direitos autorais).
A existência das duas normas levanta uma questão interessante, no que diz respeito ao critério de cálculo para indenização no caso de uso não autorizado de software protegido. Isso porque o artigo a Lei 9.610/98 prevê que o infrator deve pagar ao titular dos direitos intelectuais valor equivalente a 3.000 exemplares da obra, caso não seja possível quantificar a quantidade de exemplares copiados indevidamente:
Lei 9.610/98
Art. 103. Quem editar obra literária, artística ou científica, sem autorização do titular, perderá para este os exemplares que se apreenderem e pagar-lhe-á o preço dos que tiver vendido.
Parágrafo único. Não se conhecendo o número de exemplares que constituem a edição fraudulenta, pagará o transgressor o valor de três mil exemplares, além dos apreendidos.
Art. 107. Independentemente da perda dos equipamentos utilizados, responderá por perdas e danos, nunca inferiores ao valor que resultaria da aplicação do disposto no art. 103 e seu parágrafo único, quem:
I – alterar, suprimir, modificar ou inutilizar, de qualquer maneira, dispositivos técnicos introduzidos nos exemplares das obras e produções protegidas para evitar ou restringir sua cópia;
II – alterar, suprimir ou inutilizar, de qualquer maneira, os sinais codificados destinados a restringir a comunicação ao público de obras, produções ou emissões protegidas ou a evitar a sua cópia;
III – suprimir ou alterar, sem autorização, qualquer informação sobre a gestão de direitos;
IV – distribuir, importar para distribuição, emitir, comunicar ou puser à disposição do público, sem autorização, obras, interpretações ou execuções, exemplares de interpretações fixadas em fonogramas e emissões, sabendo que a informação sobre a gestão de direitos, sinais codificados e dispositivos técnicos foram suprimidos ou alterados sem autorização.
Uma vez que não existe disposição similar na Lei de Softwares, questiona-se se seria então possível aplicar esse critério para cálculo de indenização no caso dos programas de computador, uma vez que, no Brasil, estes são uma espécie contida no campo dos Direitos Autorais. Inclusive, a indenização equivalente a 3.000 cópias é um pedido comum em litígios envolvendo esse tipo de criação.
No caso, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que tal penalidade somente se aplicaria se não for possível identificar a quantidade de máquinas que utilizaram indevidamente o software. Caso contrário, o cálculo da indenização deve levar em conta o número real de infrações praticadas. Por outro lado, as decisões também consideram que o valor de cada exemplar (que é multiplicado pela quantidade de máquinas para definir a indenização) não precisa se limitar ao preço normal de mercado, pois a penalidade deve inibir o uso não autorizado de criação protegida[4].
Com base nessas premissas, o STJ tem considerado adequado o montante de 10 vezes o valor do software como base para a indenização, multiplicado pela quantidade de máquinas com a cópia ilegal[5]. Não sendo possível definir o número exato de aparelhos, aí sim poderia ser invocado o número de 3.000 exemplares para fins de cálculo, com base na Lei de Direitos Autorais.
Assim, apesar de a indenização nos termos do parágrafo único do artigo 103 da Lei 9.610/98 ser um pleito bastante comum por parte dos titulares de softwares, nota-se que o Judiciário não aplica tal critério como regra. Quando estipulada, a multa geralmente gira em torno de 10 vezes o valor do software utilizado, multiplicado pelo número de utilizações, sendo a referência de três mil vezes usada apenas quando for impossível aferir efetivamente o número de cópias não autorizadas.Essa questão é bastante importante, especialmente porque eventual pedido judicial que resulte com uma condenação muitas vezes menor deve implicar no pagamento de honorários de sucumbência pela parte requerente, na proporção da parte não provida do seu pleito.
Por fim, deve-se destacar que a indenização por uso não autorizado não se confunde e nem impede que haja ainda pedido de reparação por infração aos direitos morais do autor do software. Para esse tipo de criação, o artigo 2º da Lei 9.609/98 indica que a omissão do crédito de paternidade correto no uso do programa ou alterações não autorizadas que prejudiquem a honra ou reputação do autor são também hipóteses ilícitas[6]. Nesses casos, é devida a condenação em danos morais contra o infrator, além da correção do problema por meio da nomeação devida de autoria ou reversão da modificação problemática.
De um modo geral, a Propriedade Intelectual é um ramo que ainda demanda mais estudo e discussão no Direito brasileiro, especialmente em uma era de crescente importância da economia criativa. Não é diferente em relação aos softwares. O conhecimento adequado da legislação e dos precedentes judiciais é fundamental para o avanço da aplicação desse tipo de direito.
Renato Dolabella Melo
Advogado
Lívia Costa de Oliveira
Advogada
Artigo publicado em 30/04/2021
Permitida a livre reprodução deste texto, desde que concedidos os créditos aos autores
[1] Advogado. Doutor e Mestre em Propriedade Intelectual e Inovação pelo INPI. Mestre em Direito Econômico pela UFMG. Pós-graduado em Direito de Empresa pelo CAD/Universidade Gama Filho – RJ. Palestrante e professor de Propriedade Intelectual, Direito Econômico e da Concorrência, Direito do Consumidor, Direito da Cultura e do Entretenimento e Terceiro Setor em cursos de pós-graduação, graduação, capacitação e extensão da Fundação Dom Cabral – FDC, do IBMEC, da PUC, da Escola Superior de Advocacia da OAB, de Music Rio Academy, da Faculdade CEDIN e da Faculdade Arnaldo. Contatos: www.dolabella.com.br e [email protected]
[2] Advogada. Pós-graduada em Direito Processual pela PUC Minas. Pós-graduada em Legal Tech: Direito, Inovação e Startups pela PUC Minas. Professora de Direito Digital, Startups, Dados e Privacidade da Faculdade CEDIN. Bacharel em Direito pela PUC Minas. Contato: [email protected]
[3] Lei 9.610/98
Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
XII – os programas de computador;
[4] A título de exemplo nesse sentido, pode-se apontar os Recursos Especiais 1185943 e 1136676.
[5] Nesse sentido: Agravo em Recurso Especial 1206866 e Recursos Especiais 1300021 e 1552589.
[6] Lei 9.609/98
Art. 2º, § 1º Não se aplicam ao programa de computador as disposições relativas aos direitos morais, ressalvado, a qualquer tempo, o direito do autor de reivindicar a paternidade do programa de computador e o direito do autor de opor-se a alterações não-autorizadas, quando estas impliquem deformação, mutilação ou outra modificação do programa de computador, que prejudiquem a sua honra ou a sua reputação.