Saiba como oficinas e capacitações podem ser interpretadas como “educação” e descubra como proteger sua certificação CEBAS
Mariana Mendes A. S. Campos¹
Entidades assistenciais que oferecem cursos de capacitação ou mesmo oficinas podem, sem intenção, acabar enquadradas na área educacional.
O art. 35 da LC 187/2021 e o art. 7º do Decreto nº 11.791/2023 determinam que as entidades que visem obter o CEBAS precisam comprovar o cumprimento dos requisitos de certificação relativos a todas as áreas em que atuem.
O requerimento de certificação é encaminhado, inicialmente, para o Ministério de atuação preponderante da entidade. Porém, os Ministérios das áreas em que a entidade requerente atuar de forma não preponderante também precisam se manifestar e analisar o cumprimento dos requisitos relativos à sua área de competência.
LC 187/21
Art. 35. Os requerimentos de certificação serão apreciados:
I – pela autoridade executiva federal responsável pela área da saúde, para as entidades atuantes na área da saúde;
II – pela autoridade executiva federal responsável pela área da educação, para as entidades atuantes na área da educação;
III – pela autoridade executiva federal responsável pela área da assistência social, para:
a) as entidades atuantes na área da assistência social;
b) as comunidades terapêuticas e entidades de prevenção, de apoio, de mútua ajuda, de atendimento psicossocial e de ressocialização de dependentes do álcool e de outras drogas e seus familiares.
§ 1º Consideram-se áreas de atuação preponderantes aquelas em que a entidade registre a maior parte de seus custos e despesas nas ações previstas em seus objetivos institucionais, conforme as normas brasileiras de contabilidade.
§ 2º A certificação dependerá da manifestação de todas as autoridades competentes, em suas respectivas áreas de atuação.
Decreto 11.791/23
Art. 7º A entidade que atuar em mais de uma das áreas a que se refere o caput do art. 5º apresentará o requerimento de concessão ou de renovação da certificação junto ao Ministério certificador da sua área de atuação preponderante, sem prejuízo da comprovação do cumprimento dos requisitos exigidos para as demais áreas.
§ 2º Recebido o requerimento de concessão ou de renovação da certificação, o Ministério certificador verificará, na forma prevista no § 1º, se a área de atuação preponderante corresponde à área de sua competência.
§ 3º Após a verificação de que trata o § 2º, o Ministério certificador:
I – na hipótese de constatar que a área de atuação preponderante da entidade é a de sua competência, consultará os Ministérios das áreas de atuação não preponderantes, para que se manifestem no prazo de trinta dias, prorrogável por igual período, sobre o cumprimento dos requisitos nas suas respectivas áreas; ou
II – na hipótese de constatar que a área de atuação preponderante da entidade não é a de sua competência, encaminhará o requerimento ao Ministério certificador competente, considerada a data do protocolo do requerimento para fins de comprovação de sua tempestividade.
§ 4º A certificação condiciona-se à manifestação de todos os Ministérios competentes, que ateste o cumprimento dos requisitos, em suas respectivas áreas de atuação, na forma prevista na Lei Complementar nº 187, de 2021, e neste Decreto.
Assim, no caso de uma entidade de assistência social que tenha atividades na área educacional, a instituição pode precisar comprovar o cumprimento das exigências específicas dessa área junto ao Ministério da Educação (MEC), que incluem a concessão de bolsas de estudos para alunos de baixa renda familiar.
A LC 187/21 traz um alívio: se as despesas com essas atividades não ultrapassarem 30% dos custos totais da entidade nem R$ 300 mil anuais, não é necessário comprovar os requisitos da área educacional. Mas, se os valores forem superiores, a entidade poderá ser obrigada a atender também às exigências do CEBAS Educação.
Art. 35. (…) § 3º No caso em que a entidade atue em mais de uma das áreas a que se refere o art. 2º desta Lei Complementar, será dispensada a comprovação dos requisitos específicos exigidos para cada área não preponderante, desde que o valor total dos custos e das despesas nas áreas não preponderantes, cumulativamente:
I – não supere 30% (trinta por cento) dos custos e das despesas totais da entidade;
II – não ultrapasse o valor anual fixado, nos termos do regulamento, para as áreas não preponderantes.
Importante observar que os requisitos são cumulativos, ou seja, ainda que os valores aplicados nas atividades de ensino sejam inferiores a R$300 mil por ano, se eles ultrapassarem 30% das despesas da entidade, será preciso cumprir os requisitos do CEBAS Educação.
O problema é que o MEC só reconhece o ensino formal (educação básica, ensino superior, educação profissional) como atividade educacional certificável. Assim, os cursos livres e oficinas, frequentes no programa de trabalho de entidades de assistência social, não são entendidos pelo MEC com atividade de educação certificável, criando um impasse jurídico:
- O MDS (responsável pelo CEBAS Assistência Social) pode entender que parte das atividades é educacional e acionar o MEC;
- O MEC, por sua vez, pode entender que se trata de atividade não certificável;
- Isso pode gerar diligências e até indeferimento da certificação.
As consequências práticas para a certificação
Imagine uma instituição que oferece cursos de capacitação para pessoas jovens em situação de vulnerabilidade. Tudo parece certo — até que, no momento da renovação do CEBAS Assistência Social, o Ministério do Desenvolvimento Social identifica que boa parte das atividades envolve cursos, oficinas e formações.
O processo é então encaminhado ao MEC, já que o MDS entende que a entidade atua na educação. Porém, o MEC entende que a atuação da entidade não é certificável, já que não se trata de ensino formal.
Resultado: um processo travado por meses, pedidos de complementação documental e até perda da certificação.
Sem o CEBAS vigente, a entidade pode perder a imunidade sobre contribuições sociais, causando um impacto financeiro significativo. Além da questão financeira, há o impacto emocional e institucional: dirigentes são surpreendidos por exigências que nunca imaginaram, pois viam os cursos como uma simples extensão das atividades assistenciais.
Como evitar que cursos livres prejudiquem o CEBAS
1. Mantenha controle contábil e financeiro detalhado
A LC 187/2021 e o Decreto 11.791/2023 são claros: se as despesas com atividades de educação não superarem 30% das despesas totais e R$ 300 mil anuais, a entidade que solicitar o CEBAS na área de assistência social fica dispensada de comprovar os requisitos educacionais.
Por isso, é essencial é garantir que a contabilidade registre com clareza os custos de cada atividade, demonstrando que os cursos têm caráter complementar e não preponderante, e que eles não ultrapassam os limites legais.
2. Planeje antes de lançar novos projetos
Antes de iniciar qualquer curso ou oficina, é importante avaliar o impacto jurídico e financeiro da atividade.
O planejamento inclui não apenas definir claramente o público-alvo, as ações a serem realizadas, o objetivo social e as fontes de custeio. É essencial estimar os custos da atividade e a sua proporção nos gastos totais, garantindo que eles não ultrapassem os limites legais, nem passem a representem a maior parte das despesas da entidade, tornando-a uma entidade de atuação preponderante em educação.
3. Tenha acompanhamento jurídico especializado
O Estatuto Social e o relatório de atividades para requerimento e renovação do CEBAS precisam estar em conformidade com a legislação.
Caso o objetivo seja obter o CEBAS na área de assistência social, é preciso garantir não apenas o enquadramento assistencial da entidade, conforme inscrição nos conselhos de assistência social e despesas registradas nas demonstrações contábeis, como também a correta descrição das ações realizadas no relatório de atividades.
Um advogado especializado no terceiro setor deve orientar sobre a redação correta do Estatuto Social e revisar os relatórios de atividades, que devem ser escritos por assistente social. É importante que o relatório deixe bem caracterizado que as atividades da entidade são assistenciais, não de educação.
Com esses cuidados, a entidade protege seu enquadramento e reduz o risco de ser interpretada como atuante em outra área.
Uma assessoria especializada poderá avaliar a melhor estratégia para a atuação da entidade, de forma a proteger o seu enquadramento e aumentar as chances de sucesso na concessão ou renovação do CEBAS.
Em resumo: planejamento e orientação são a melhor defesa
Oferecer cursos livres e oficinas para pessoas em situação de vulnerabilidade é uma prática transformadora e totalmente alinhada à missão das entidades beneficentes. No entanto, sem o devido cuidado jurídico e contábil, essas atividades podem ser interpretadas como educação, trazendo exigências inesperadas e riscos ao CEBAS Assistência Social.
A solução está em atuar com estratégia, planejamento e acompanhamento especializado — garantindo que cada projeto fortaleça, e não comprometa, o reconhecimento da entidade como organização beneficente.
Precisa se preparar para o requerimento do CEBAS? Agende neste link uma conversa estratégica para evitar contratempos na certificação.
¹ Advogada. Pós-graduada em Direito Público pela PUC Minas. Pós-graduada no MBA em Advocacia de Alta Performance pela PUC Minas. Secretária Geral da Comissão de Direito das Parcerias Intersetoriais e Organizações da Sociedade Civil da OAB/MG. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da UFMG.
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